Quando eu era pequena não gostava de bonecas. Eu até tinha algumas - a velha história de que meninas devem brincar com elas - mas não eram o que mais me alegrava. Eu nunca tive o "Meu Bebê"; eu tinha Transformers, uma caminhonete laranja, que na vida adulta se transformou em uma S10. Eu nunca tive Barbie; sempre preferi jogar sinuca com meu pai.
Brinquedos de meninos são sempre mais interessantes que os de menina, haja visto o Play Mobil. Quem é que não adorava aquilo? Eu adorava, mas isso eu nunca tive. Uma vez eu ganhei uma casa de bonecas de madeira, dois andares e um sótão. Nela vinham vovô, vovó, papai, mamãe e filhinhos, além dos móveis. Eu passava horas olhando aquilo. Não propriamente os bonecos, mas a casa. Ficava sonhando com um dia ter uma daquelas SÓ PARA MIM. Uma de verdade, das grandes!
Coisas de menina não me encantam. Nunca gostei de saias. Nem saias, nem vestidos. Acho lindo nas outras, mas um verdadeiro incômodo em mim. Eu até tenho alguns vestidos que pendem orgulhosos em seus cabides e que perdem lugar no guarda-roupa a cada dia que passa. Eu não gosto da sensação de coxas se encostando. Fica quente, suando. Eu gosto mesmo é de calças. Também de bermudas e shorts, mas aí tem que ser mais compridinho. Acho que a grande invenção em termos de vestuário foram as calças, que cobrem as duas pernas e dão conforto inigualável.
Acho mesmo que nunca pensei como menina. Não que eu seja quase um menino, ou que aja como tal. Não é o que estou dizendo. Eu só não me pareço com elas quando se trata de comprar um vestido, ou ainda quando a história é sobre ter filhos. Eu não nasci para tê-los, digo isto desde sempre. Talvez seja falta de vocação, embora muita gente acredite no contrário. Eu gosto de crianças, só não gosto delas o tempo inteiro. Nunca sonhei em ter uma delas (ou mais) atrás de mim berrando "mãe mãe mãe!!!" Não, não... não é para mim.
Quando eu fazia terapia, essa questão surgiu. Foi na mesma época em que minhas amigas começaram a se casar e a ter filhos e todas elas diziam que eu seria a próxima. Eu tinha até pesadelos com aquilo. Várias sessões foram necessárias e muitas questões foram levantadas. Uma delas, claro, tinha a ver com a minha mãe. Mãe geralmente é a fonte de todos os nossos problemas e traumas, jajajajaja!!! Como sempre ouvi que eu tinha vindo de surpresa, mesmo depois de 11 anos de casamento, na minha cabeça sempre entendi que não era querida, até por comentários que a minha mãe faz a respeito da gravidez. Analisamos tudo, todos os pontos e a conclusão foi a seguinte: na época eu cuidava de avô e avó doentes, pai, mãe e um namorado que era quase um filho. Eu já estava cansada. Depois de uma vida sendo suporte de todo mundo eu cansei. Para quê então ia inventar de arranjar menino? Para continuar o ciclo de cuidados? Se eu quisesse isso, teria estudado enfermagem e pronto.
Eu gosto de liberdade. Eu gosto de fazer as coisas do meu jeito, no meu tempo. Não gosto quando tentam me encaixar em um padrão, e muito menos quando me dizem a frase mais padrão que eu conheço: "você tem que ter um filho". Deus que me livre! Não é o que eu sonhei para a minha vida. Na verdade ter um - ou mais - seria o mesmo que derrotar todos os meus planos. Meu sonho sempre foi poder pegar um avião para qualquer lugar do mundo quando eu quiser, sem ter que pensar se "o filhinho do Eduardo tá de recuperação ã- ã- ão". Não quero ficar presa aos períodos de férias escolares, quando os preços são caríssimos e os turistas, insuportáveis. Quero fazer o que me der na telha, com namorado ou sozinha, quando eu quiser. Acho que a vida é lógica assim.
Não acho errado que as pessoas sonhem em ter filhos, de maneira alguma! O que acho errado é querer impor aos outros o que é certo para elas. Conversar a respeito, tudo bem, mas daí a decidir por nós o que é melhor para a nossa vida, acho desrespeitoso. Em momento algum eu disse a elas que não tivessem crianças. No máximo disse para aproveitarem um pouco mais a vida de casadas, porque depois que o pequeno ou pequena chega, tudo muda para sempre. E se pensarmos bem, o casamento em si já é uma grande mudança, exige tempo para adaptação. Eu adoro as sobrinhas e sobrinhos que me deram, que são vários (Olívia, Sophia, Melina, Bárbara, Alice, Esther, Manuela, Asier, Francisco...), até já pensei em nomear as três primeiras como minhas herdeiras oficiais (alguém deverá guardar as joias), mas o carinho por essas crianças não me faz querer ter uma própria. É simplesmente uma vontade que não tenho. Aliás, uma vontade que tenho sabido, muitas outras mulheres também não têm e por motivos variados: pelo custo (sabiam que um filho pode custar até R$ 2 milhões?); pelo tempo (ter filho para empregada criar?); pela vocação mesmo, que é o meu caso.
Pensando agora nesta história toda, devo abrir um parêntese. Eu não tive filho saído de mim, mas tenho um irmão de 10 anos que nasceu quando eu tinha 22. Claro, ele não foi criado totalmente como irmão. Ele foi sim, e continua sendo, um pouco filho meu. Quando há uma diferença tão grande, você precisa fazer mais que o papel de irmã mais velha e às vezes ser um pouco mãe. Aí você educa, ensina o para-casa e espera que ele faça para ver se aprendeu. Impõe limites, abraça quando precisa e dá bronca quando precisa também. Já levei à escola, ao médico, ao parque. Já procurei programas para fazer nas férias. Levei para ver a decoração de natal, o presépio e contei a história do nascimento de Cristo para que ele entendesse que aquela não era somente uma data para ganhar presentes. Briguei com o pai e a mãe para que dessem mais atenção a ele. Levei para passear e conversei quando o senti angustiado ou triste. Ensinei a respeitar o espaço e a escolha dos outros; ensinei a não ser preconceituoso nem maldoso (crianças são muito más e manipuladoras às vezes). Ensinei a provar a comida antes de dizer que não gosta. Dei conselhos, consertei quando errou, cuidei quando machucou. Fui o apoio quando os pais não notaram o problema.
E aí, quem vai dizer que eu não sei o que é ser mãe de alguém?
Beijo a todos os meus leitores, principalmente às leitoras que assim como eu não querem filhos, mas nem por isso desconhecem a maternidade.
Dani.